8 de fev. de 2010

RETRATO DO ABANDONO



Os gatunos levaram tudo que puderam: portas, grades, pias, janelas, caixa d’água e agora, aos poucos, carregam as telhas que sobraram. O que antes era um colégio virou sanitário de motoristas e cobradores de ônibus, casa de cachorro e abrigo noturno para delinqüentes e usuários de drogas. O cheiro no local é nauseabundo. O abandono, revoltante.

Minas Gerais é o nome da escola de educação infantil que o atual governo engavetou no esquecimento. Localizada na parada final da Sobral, é prova inequívoca da negligência dos governantes em um Estado campeão em analfabetismo de pessoas maiores de 15 anos.

Antes estudavam ali cerca de 200 crianças. Foram transferidas para colégios distantes, conduzidas pela diligência de burocratas também capazes de tamanho desleixo.

Uma rachadura no piso serviu de desculpa para a renúncia sem volta. E a burocracia companheira não recorreu aos laudos técnicos. Prova de que entre nós a presunção parece ter substituído a ciência.

Damiana da Silva Medeiros foi a diretora mais longeva da escola. Durante 20 anos, ela foi a maestrina que regeu as partituras do saber. Ali se alfabetizou na infância. Ali viu o despertar para as primeiras letras de outras centenas de meninos e meninas carentes.

Tão carentes que ela oferecia merenda duas vezes por dia. “Em casa, a maioria não tinha o que comer”, recorda-se.


O terreno onde se assenta o que sobrou do prédio é da família de Damiana. Ao receber a visita deste blogueiro, interessado em obter informações sobre a escola abandonada, os olhos baços da ex-diretora adquiriram um brilho momentâneo. “Vão reformar?”, quis saber. E seu olhar perdeu novamente o brilho ante a resposta negativa.

Damiana, a diretora zelosa, não se conforma com o destino de “sua” escola. Aos 81 anos de idade, sua lucidez é comovente. A ponto de se perguntar como os jovens poderosos do governo imaginam construir um futuro sem preservar as coisas úteis do passado.


Blog do Archibaldo Antunes